domingo, 2 de março de 2014

O mendigo no ponto de ônibus

Ele estava sentado no banco do meu lado. Tinha os olhos escuros, a calça jeans surrada e suja como todo o resto. As unhas pretas e encardidas, mas por debaixo de toda aquela imundice que o cercava ele era... Era como eu. Era de carne e osso, mesmo que a pele já parecesse podre em meio a tanta sujeira.  Os cabelos eram grisalhos e o olhar era de quem não tinha nada, nem um centavo se quer no bolso.
Quando eu cheguei, a principio não teria se quer notado a que tipo de classe ele pertencia se não fosse pelas roupas imundas. Ele sentava-se no banco do ponto de ônibus como quem realmente estivesse esperando por algo, mas não estava. Trazia nos lábios os poucos dentes amarelados e entre eles tragava um cigarro no qual eu não fazia ideia de onde ele tivesse conseguido.
Assim que meus olhos percorreram aquela imagem, meu coração logo foi tocado por um sentimento chamado solidariedade, algo que não tenho visto muito nos dias de hoje.
Sempre que vou para o trabalho, no trajeto que é super longo e demorado, volta e meia sempre acabo vendo cenas de pessoas que estão na mesma situação que aquele senhor, imundas e esfomeadas. E sempre que eu vejo algo parecido, meus olhos enchem-se de lágrimas. E diferente de muitos que ando vendo por ai, não, eu não consigo e não me permito aceitar presenciar esse tipo de coisa como se fosse algo normal, natural. E sempre que eu vejo essas pessoas, eu de alguma forma, acabo me colocando no lugar delas. E eu penso, e se fosse eu ali? E se fosse eu ali, esfomeada, com sede e sem absolutamente nada? Eu iria querer ser ajudada? Sim, eu queria. E se eu queria ser ajudada, aquela pessoa que se encontra naquela situação, também quer.
São cenas tristes de se ver, e se eu pudesse, criaria algum centro e colocaria todas essas pessoas em um lugar onde pudessem ser ajudadas. Mas eu não posso. Sou só uma garota. E embora eu não tenha dinheiro, eu tenho essa vontade. De ajudar. De me sentir, de alguma forma, útil pra alguém. Mesmo que isso dure pouco.
Sentei-me ao lado do senhor. Ele fedia, como eu já previa, mas aquilo pouco me incomodou. Abri o menor bolso da minha mochila e peguei um Clube Social sem me importar com a mulher ao lado que tagarelava no celular ou com o cara na pracinha de frente para o ponto de ônibus nos observando a poucos metros de distancia. Ofereci-a ao senhor, que rapidamente á pegou.
Como o tempo estava muito quente, e eu queria poder ajudá-lo de todas as formas que estavam ao meu alcance naquele momento, peguei minha garrafa de 600ml da Coca-Cola na qual eu tinha colocado água e entreguei-a ao senhor sorridente. Ele me disse algo, provavelmente deve ter agradecido, ou dito algo semelhante em um idioma maluco que eu não entendi. Que ele provavelmente deve ter criado, coisa de maluco. E eu me perguntei naquele momento, porque a maioria dos mendigos eram igualmente loucos. Porque ficavam assim? E se aquilo era uma condição temporária ou se eles seriam loucos pra sempre. Ou será que sempre tinham sido assim? Ou era efeito do álcool ou de drogas?
Ele jogou a bituca de cigarro na rua e abriu o pacote de clube social que retirava da embalagem com certa dificuldade. Depois tomou um pouco de água. E eu senti que ainda, poderia fazer mais por ele.
Abri a mochila, e dessa vez tirei uma maçã. Entreguei a ele que ficou surpreso por eu ainda ter lhe dado mais comida. Observei que ele tentava abrir a maçã ao meio com a ponta das unhas pretas de sujeira. Só depois me ocorreu o porquê de ele querer partir a maçã ao meio. A principio achei que ele quisesse simplesmente guardar um pedaço para comer mais tarde, mas depois entendi que a maçã era dura e ele certamente não tinha mais todos os dentes ou uma dentadura.
O cara do outro lado da rua, na pracinha continuava observando a cena. A mulher do lado continuava berrando no celular enquanto eu pensava no que fazer a respeito. E me ocorreu de que, no dia anterior, minha colega de trabalho havia deixado comigo uma faca e um garfo de plástico da marmitex que o irmão dela havia comprado no caso de que agente esquecesse nossos talhares na hora do almoço.
Mais uma vez la estava eu, abrindo a minha mochila, como se tivesse a casa toda la dentro. Retirei a faca de dentro da mochila e me perguntei no que será que o cara sentado na praça deveria estar pensando. Será que pensou que eu era uma louca por simplesmente dar uma faca, mesmo que fosse de plástico, há um mendigo? Ou será que deve ter achado engraçado a menina que em pleno domingo de carnaval parecia mais que estava indo acampar no mato?
Quando entreguei a faca ao senhor, ele abriu um sorriso e mais uma vez disse algo que eu não pude simplesmente entender. Sorri de volta e percebi que ainda estava sendo observada pelo cara da praça. Me perguntei se ele teria dado o cigarro ao senhor, mas cheguei a conclusão de que não foi ele porque ele parecia simplesmente curioso e idiota demais para pensar em dar algo, há um mendigo. Penso se ele achou que eu era simplesmente uma estúpida por estar ajudando um mendigo ou se simplesmente achou “diferente” a minha atitude de não fechar os olhos para o que estava diante de mim, como a maioria das pessoas fazem. E me pergunto, como a humanidade chegou a esse ponto? De simplesmente olhar para um ser humano, como se não fosse nada e como se nada importasse? Quando foi que as pessoas se tornaram assim? Ou será, que sempre foram assim? Egoístas?
O mendigo se virou para mim e ergueu a faca na minha direção, para me devolver. Eu disse que não precisava e ele sorriu dizendo mais alguma coisa. O cara da praça atravessou a rua e ficou ao lado do ponto, do nosso lado fazendo não sei o que.
Pensei em oferecer a ele um saquinho de lencinhos úmidos para se limpar, mas achei que ele me acharia uma maluca e não entenderia nada. Depois disso tudo o meu ônibus chegou. Entrei e da janela pude observar, pela ultima vez o senhor, ali, sozinho em pleno domingo de carnaval, assim como eu ficaria quando chegasse ao trabalho.

Mas eu fui trabalhar com a consciência tranquila e em paz, por saber que de algum jeito, por mais pequeno que tivesse sido o meu gesto, eu realmente ajudei alguém.  Ele não me disse obrigado, ou se disse eu não entendi, mas não importa. O que importa é que, embora presenciar esse tipo de coisa me parta o coração, eu fiquei feliz, porque pude ajudar um pobre senhor a não sentir fome, por mais que tenha sido por pouco tempo. E eu sei, que pequenas atitudes podem fazer toda a diferença. E se mais pessoas fossem como eu, que alimentam quem nada tem, jogam o lixo no sexto de lixo e outras coisas assim, simples do cotidiano, talvez o mundo ainda pudesse ser melhor. Com menos guerras, mais solidariedade e muito mais amor por si mesmo e pelo próximo. 

Um comentário:

  1. Adorei o seu texto Bi!
    Gostei muito da sua atitude!
    Eu também sempre penso em ajudar, mas geralmente nunca estou com nada no bolso. Confesso também que ás vezes tenho medo de me aproximar, por não saber a índole de cada um. Existem vários que com certeza gostariam de receber esses gestos de caridade todos os dias e não passar fome, quem sabem com várias atitudes da população mudar de vida, porém alguns ( a minoria) são orgulhosos e não gostam de receber ajuda, ou tem alguns que simplesmente podem aproveitar a sua boa vontade. As vezes simplesmente vejo e por mais que eu não queira ignorar o fato que está diante de meus olhos, acabo passando direto por simplesmente estar atrasada para o trabalho (como muitos fazem). Sei que isso é errado, mas sempre penso da mesma forma que você.
    Estou admirada com a sua atitude! Parabéns!

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