Ele
estava sentado no banco do meu lado. Tinha os olhos escuros, a calça jeans surrada
e suja como todo o resto. As unhas pretas e encardidas, mas por debaixo de toda
aquela imundice que o cercava ele era... Era como eu. Era de carne e osso,
mesmo que a pele já parecesse podre em meio a tanta sujeira. Os cabelos eram grisalhos e o olhar era de
quem não tinha nada, nem um centavo se quer no bolso.
Quando
eu cheguei, a principio não teria se quer notado a que tipo de classe ele
pertencia se não fosse pelas roupas imundas. Ele sentava-se no banco do ponto
de ônibus como quem realmente estivesse esperando por algo, mas não estava.
Trazia nos lábios os poucos dentes amarelados e entre eles tragava um cigarro
no qual eu não fazia ideia de onde ele tivesse conseguido.
Assim
que meus olhos percorreram aquela imagem, meu coração logo foi tocado por um
sentimento chamado solidariedade, algo que não tenho visto muito nos dias de
hoje.
Sempre
que vou para o trabalho, no trajeto que é super longo e demorado, volta e meia
sempre acabo vendo cenas de pessoas que estão na mesma situação que aquele
senhor, imundas e esfomeadas. E sempre que eu vejo algo parecido, meus olhos
enchem-se de lágrimas. E diferente de muitos que ando vendo por ai, não, eu não
consigo e não me permito aceitar presenciar esse tipo de coisa como se fosse
algo normal, natural. E sempre que eu vejo essas pessoas, eu de alguma forma,
acabo me colocando no lugar delas. E eu penso, e se fosse eu ali? E se fosse eu
ali, esfomeada, com sede e sem absolutamente nada? Eu iria querer ser ajudada?
Sim, eu queria. E se eu queria ser ajudada, aquela pessoa que se encontra
naquela situação, também quer.
São
cenas tristes de se ver, e se eu pudesse, criaria algum centro e colocaria
todas essas pessoas em um lugar onde pudessem ser ajudadas. Mas eu não posso.
Sou só uma garota. E embora eu não tenha dinheiro, eu tenho essa vontade. De
ajudar. De me sentir, de alguma forma, útil pra alguém. Mesmo que isso dure pouco.
Sentei-me
ao lado do senhor. Ele fedia, como eu já previa, mas aquilo pouco me incomodou.
Abri o menor bolso da minha mochila e peguei um Clube Social sem me importar
com a mulher ao lado que tagarelava no celular ou com o cara na pracinha de
frente para o ponto de ônibus nos observando a poucos metros de distancia.
Ofereci-a ao senhor, que rapidamente á pegou.
Como
o tempo estava muito quente, e eu queria poder ajudá-lo de todas as formas que
estavam ao meu alcance naquele momento, peguei minha garrafa de 600ml da
Coca-Cola na qual eu tinha colocado água e entreguei-a ao senhor sorridente.
Ele me disse algo, provavelmente deve ter agradecido, ou dito algo semelhante
em um idioma maluco que eu não entendi. Que ele provavelmente deve ter criado,
coisa de maluco. E eu me perguntei naquele momento, porque a maioria dos
mendigos eram igualmente loucos. Porque ficavam assim? E se aquilo era uma condição
temporária ou se eles seriam loucos pra sempre. Ou será que sempre tinham sido
assim? Ou era efeito do álcool ou de drogas?
Ele
jogou a bituca de cigarro na rua e abriu o pacote de clube social que retirava
da embalagem com certa dificuldade. Depois tomou um pouco de água. E eu senti
que ainda, poderia fazer mais por ele.
Abri
a mochila, e dessa vez tirei uma maçã. Entreguei a ele que ficou surpreso por
eu ainda ter lhe dado mais comida. Observei que ele tentava abrir a maçã ao meio
com a ponta das unhas pretas de sujeira. Só depois me ocorreu o
porquê de ele querer partir a maçã ao meio. A principio achei que ele quisesse
simplesmente guardar um pedaço para comer mais tarde, mas depois entendi que a
maçã era dura e ele certamente não tinha mais todos os dentes ou uma dentadura.
O cara
do outro lado da rua, na pracinha continuava observando a cena. A mulher do
lado continuava berrando no celular enquanto eu pensava no que fazer a
respeito. E me ocorreu de que, no dia anterior, minha colega de trabalho havia
deixado comigo uma faca e um garfo de plástico da marmitex que o irmão dela
havia comprado no caso de que agente esquecesse nossos talhares na hora do almoço.
Mais
uma vez la estava eu, abrindo a minha mochila, como se tivesse a casa toda la
dentro. Retirei a faca de dentro da mochila e me perguntei no que será que o
cara sentado na praça deveria estar pensando. Será que pensou que eu era uma
louca por simplesmente dar uma faca, mesmo que fosse de plástico, há um
mendigo? Ou será que deve ter achado engraçado a menina que em pleno domingo de
carnaval parecia mais que estava indo acampar no mato?
Quando
entreguei a faca ao senhor, ele abriu um sorriso e mais uma vez disse algo que
eu não pude simplesmente entender. Sorri de volta e percebi que ainda estava
sendo observada pelo cara da praça. Me perguntei se ele teria dado o cigarro ao
senhor, mas cheguei a conclusão de que não foi ele porque ele parecia simplesmente curioso e idiota demais para pensar em dar algo, há um mendigo. Penso se ele
achou que eu era simplesmente uma estúpida por estar ajudando um mendigo ou se
simplesmente achou “diferente” a minha atitude de não fechar os olhos para o
que estava diante de mim, como a maioria das pessoas fazem. E me pergunto, como
a humanidade chegou a esse ponto? De simplesmente olhar para um ser humano,
como se não fosse nada e como se nada importasse? Quando foi que as pessoas se
tornaram assim? Ou será, que sempre foram assim? Egoístas?
O
mendigo se virou para mim e ergueu a faca na minha direção, para me devolver. Eu
disse que não precisava e ele sorriu dizendo mais alguma coisa. O cara da praça
atravessou a rua e ficou ao lado do ponto, do nosso lado fazendo não sei o que.
Pensei
em oferecer a ele um saquinho de lencinhos úmidos para se limpar, mas achei que
ele me acharia uma maluca e não entenderia nada. Depois disso tudo o meu ônibus
chegou. Entrei e da janela pude observar, pela ultima vez o senhor, ali,
sozinho em pleno domingo de carnaval, assim como eu ficaria quando chegasse ao
trabalho.
Mas
eu fui trabalhar com a consciência tranquila e em paz, por saber que de algum
jeito, por mais pequeno que tivesse sido o meu gesto, eu realmente ajudei
alguém. Ele não me disse obrigado, ou se
disse eu não entendi, mas não importa. O que importa é que, embora presenciar
esse tipo de coisa me parta o coração, eu fiquei feliz, porque pude ajudar um
pobre senhor a não sentir fome, por mais que tenha sido por pouco tempo. E eu
sei, que pequenas atitudes podem fazer toda a diferença. E se mais pessoas
fossem como eu, que alimentam quem nada tem, jogam o lixo no
sexto de lixo e outras coisas assim, simples do cotidiano, talvez o mundo ainda pudesse ser melhor. Com menos guerras, mais
solidariedade e muito mais amor por si mesmo e pelo próximo.